quinta-feira, 19 de abril de 2007

Atmabodha

O Conhecimento de Si Mesmo

Para Shri AdiShankaraAcharya ser um Adikari, quatro são as qualificações requeridas: viveka (discernimento) entre o real e o não-real, vairagya (desapego) do não-real reconhecendo-o como tal, shad-sampat (as seis virtudes mentais) e mumukshutva (aspiração ou amor pela liberação).
1. Este Atmabodha (conhecimento-realização de Si mesmo) foi composto para o benefício daqueles que, aspirando pela Liberação, foram purificados totalmente do erro através da austeridade constante e estão mentalmente pacificados e livres do desejo.
2. Assim como o fogo é fundamental para cozinhar, assim também entre todas as formas de disciplinas, o conhecimento é o meio único e direto para a Liberação (mukti): sem o Conhecimento não existe Liberação.
3. A ação não pode destruir a ignorância, já que não se opõe a ela: só o Conhecimento pode destruir a ignorância como a luz dissipa a escuridão.
4. É justamente a causa da ignorância que o [Si mesmo] parece como se estivesse na escravidão; mas no momento em que esta [ignorância] se dissolve, o Sí mesmo resplandecerá revelando-se absoluto e livre, como o sol quando se libera das nuvens.
5. Através da constante prática do conhecimento, depois de purificar perfeitamente o Si mesmo individual [antes] obscurecido pela ignorância, o pensamento se dissolve, como o polvo de kataka quando foi purificado pela água.
6. O mundo do advir, caracterizado pelo apego, a aversão, etc..., é em efeito, similar ao sonho: parece real mesmo que persista, mas se revela irreal ao acordar.
7. Assim como a madre-pérola [parece] prata, assim o mundo parece real, enquanto o Brahman não-dual, substrato de cada coisa não é conhecido.
8. Do substrato universal cujo o supremo Senhor é a primeira causa, os mundos surgem, existem e se dissolvem como as borbulhas na água.
9. É noVishnu eterno, que tudo abrange, Existência-Consciência-Si mesmo, que todas as diferentes manifestações particulares estão representadas [por aquele que percebe], como as pulseiras e outros objetos estão no ouro.
10. Parecido ao éter, o Senhor que tudo abrange, quando se associa com as diferentes sobreposições limitantes, a causa de sua diferenciação parece múltipla, mas quando estas se dissolvem, se revela como a unidade absoluta.
11. É exatamente a causa destas múltiplas limitações onde [idéias como as de] regras sociais, descendência, estilos de vida, etc., se sobrepõem ao Si mesmo, assim como, os diferentes gostos, cores, etc., [é percebido] na água.
12. Consistente nos cinco elementos burdos quintuplicados (Pancikarana) e determinados pelas [próprias] ações passadas, o corpo físico-burdo [plano da vigília] é considerado como o lugar da experiência do prazer e da dor.
13. Constituído pelos cinco pranas, a mente empírica e o intelecto, além dos dez órgãos [da percepção e da ação] e originados pelos cinco elementos não quintuplicados [sutis], o corpo sutil é o instrumento da experiência [plano do sonho].
14. A ignorância, sem começo e indefinível, é considerada como o corpo-limitação causal. Deve-se reconhecer o si mesmo como algo diferente destes três estados condicionantes.
15. Em sua identificação com as cinco envolturas, etc., o Si mesmo puro parece ser da mesma natureza, assim como, um cristal ao apoiar-se sobre um tecido azul, parece da mesma cor.
16. Assim como o grãozinho de arroz que está, a princípio, envolto na casca e depois se separa completamente, da mesma maneira torna-se necessário discriminar, por meio do discernimento inteligente, o puro e íntimo Si mesmo das envolturas com as quais se identifica.
17. Ainda que o Si mesmo sempre tudo abarque, não se revela em todas as partes. Ele se manifesta somente no intelecto puro, como uma imagem refletida [só é percebida] em espelhos nítidos.
18. Deve-se conhecer o Si mesmo - sempre diferente do corpo, dos sentidos, da mente, do intelecto e inclusive da prakriti - como testemunha de suas modificações, parecido com um soberano.
19. Assim como a lua parece se mover quando as nuvens cruzam o céu, da mesma maneira, para as pessoas não discriminantes, o Si mesmo parece estar ativo através das funções dos órgãos sensoriais.
20. Assim como os homens podem trabalhar confiando na luz do sol, assim o corpo, os sentidos, a mente e o intelecto dependem, para o desenvolvimento de suas respectivas funções, da consciência inerente ao Si mesmo.
21. Por falta de discriminação, as características e as atividades do corpo e dos sentidos se sobrepõem ao Si mesmo, que é Existência absoluta e Conhecimento, da mesma maneira como a cor azul, etc., se atribui ao céu.
22. As funções, como as atividades e outras, devido as limitações constituidas pela mente, se atribui ao Si mesmo a causa da ignorância, assim como, o movimento da água [se atribui] a lua que nela se reflete.
23. Em realidade, apego, desejo, dor, etc., se manifestam pela presença do intelecto [buddhi]. No sono profundo, quando o intelecto não se manifesta, estes sentimentos nem sequer existem. Por isso, pertencem a buddhi e não ao Si mesmo.
24. Assim como a luminosidade é a natureza do sol, o frio é a da água e o calor do fogo, a natureza do Si mesmo é Existência-Consciência-Beatitude absolutas e pureza eterna.
25. A noção "eu conheço" se produz através da díade - que se deve a ausência de discriminção - de Existência e Conhecimento do Si mesmo juntamente com a modificação do intelecto.
26. Em realidade não existe nenhuma modificação por parte do Si mesmo, nem tampouco o conhecimento deriva do intelecto. O Si mesmo individual, ao perceber cada coisa, a partir de uma falsa perpectiva, cai no erro e se considera como aquele que conhece e percebe [e age].
27. Considerando [erroneamente] o jiva como se fosse o Si mesmo, nos sentimos atemorizados, como diante de uma cobra percebida no lugar de uma corda; se, ao contrário, alguém pensa "eu não sou um ser individualizado, eu sou o Si mesmo supremo", nos liberamos do medo.
28. É o Si mesmo que ilumina o intelecto, etc., e também os sentidos; da mesma maneira que uma lâmpada ilumina uma jarra, etc., o Si mesmo, por assim dizer, não pode estar iluminado por estes objetos inertes.
29. O Si mesmo cuja natureza é Conhecimento, não necessita de outros meios de conhecimento para conhecer a si mesmo, da mesma maneira que uma lâmpada não precisa de outra lâmpada para iluminar-se.
30. Através de um processo de negação [da consciência] que se estende a todos os condicionamentos, por meio do axioma "não é isso, não é isso", deve-se chegar, com a ajuda das grandes sentenças (mahavakyas), a realização da identidade da alma individual com o Si mesmo supremo.
31. Ao ser produto da ignorância, tudo o que se percebe, como o corpo e os demais objetos materiais, é transitório como as bolhas de sabão. Por isso, deve-se realizar conscientemente "eu sou Brahman", puro e diferente de tudo isso.
32. "Já que sou outra coisa, do que simplesmente corpo, não existe para mim, noções como nascimento, velhice, decrepitude, morte, etc., nem mesmo existe contato com os objetos dos sentidos, como os sons e outros, já que não possuo órgãos sensoriais".
33. "Já que sou outra coisa, do que somente a mente, não existe dentro de mim sentimentos como sofrimento, apego, aversão, medo, etc. [O Si mesmo] não possui respiração vital, carece de mente, por isso, é puro, etc.," como declarado nas escrituras.
34. "Eu não tenho atributos, nem movimento; sou eterno, careço de diferenciação, contaminação, imutabilidade, sem forma, sempre livre e puro."
35. " Sempre existente, Eu abarco cada coisa no interior e no exterior como o espaço-éter; sou sempre idêntico em cada coisa e em cada momento; perfeito, absoluto, imaculado, sem variação".
36. "Em realidade, Eu sou o Brahman supremo que é eterno, puro, livre, único, beatitute sem partes, não-dual, inifinita Existência e Conhecimento.
37. Dessa maneira, a meditação sobre "Eu sou o Brahman" praticada ininterruptamente, destrói os movimentos projetados pela mente e gerados pela ignorância, assim como, um medicamento destrói as doenças.
38. Sentado em um lugar solitário, livre de todo o apego e com os sentidos sob controle, [o discípulo] deve meditar sobre aquele Si mesmo, Único e Infinito, sem [deixar espaço a] nenhum outro pensamento.
39. O Sábio, ao submergir todo o universo objetivo sensível em Si mesmo através da discriminação intelectual, deve contemplar o si mesmo único eternamente puro, como o éter.
40. Depois de abandonar cada coisa - como a forma, classe social, etc., o Conhecedor da realidade suprema está [definitivamente] absorvido em sua essência mesma, que é plenitude infinita de Consciência e Beatitude.
41. No si mesmo supremo não pode existir nenhuma distinção entre conhecedor, conhecimento e o objeto conhecido; já que Sua natureza somente é uma unidade de Consciência e Beatitude, Ele resplandece por si só.
42. Assim como o combustível consume totalmente a chama que brota ao frotar a vara, assim a ignorância fica completamente destruida pela constante meditação sobre o Si mesmo.
43. Quando o Conhecimento claro dissipa a obscuridade invasora [da ignorância], então o Si mesmo, da mesma maneira que o sol, aparece espontaneamente.
44. O Si mesmo, ainda que em realidade esteja sempre presente, parece, entretanto, estar ausente a causa da ignorância; quando esta se destrói. Ele se descobre em toda a sua evidência como um adorno pendurado no pescoço.
45. Assim como uma árvore pode parecer um homem, devido ao mesmo tipo de erro, o Brahman é concebido como uma alma individual; mas esta [ilusão] desaparece quando se reconhece a natureza real de jiva [como atman].
46. O conhecimento que deriva da experiência direta e consciente da natureza da Realidade última, destrói imediatamente a ignorância caracterizada pelas noções de "eu" e "meu", assim como, pela cognição errônea de toda a orientação.
47. O yoguin que conseguiu o perfeito Conhecimento vê com o olho do Conhecimento o universo inteiro contido em Si mesmo e considera cada coisa como o único Si mesmo.
48. Todo esse universo é realmente o Si mesmo, não existe outra coisa fora do Si mesmo. Assim como, qualquer jarra não é mais do que argila, assim [o Conhecedor] considera cada coisa como a si mesmo.
49. O Conhecedor que abandonou todos as condições limitantes anteriores e seus atributos, desvendando deste modo, a própria natureza da Existência- Consciência-Beatitude absolutas, se converte em um Liberado na vida, da mesma maneira que uma larva se transforma em borboleta.
50. Depois de atravessar o oceano da ilusão e de ter derrotado os demônios do prazer e do sofrimento, etc., o yoguin, em perfeita unidade com a Paz, resplandece na Graça (beatitude) de Si mesmo.
51. Renunciando com indiferença ao apego a todos os prazeres externos e transitórios, totalmente satisfeito pela Graça que procede de Sí mesmo, Ele resplandece interiormente como uma lâmpada dentro de um lustre.
52. Ainda que viva submergido nas condições limitantes, o Muni, parecido ao éter, não está danificado por seus atributos; Ele, que conhece realmente cada coisa, vive [aparentemente] como uma pessoa carente de intelecto e parecida ao vento; se move perfeitamente desapegado.
53. Dissolvendo as envolturas condicionantes, o Muni se submerge na Realidade que tudo abarca, carente de toda diferenciação, como a água na água, o espaço no espaço ou a luz na luz.
54. Realiza o Brahman como aquela conquista muito além, do qual, não existe mais nada a conseguir, muito além, cuja Graça não existe ulterior felicidade, muito além, cujo conhecimento não existe conhecimento superior.
55. Realiza o Brahman como Isso, do qual não exista nada mas para ver, realizado onde não exista outra realização maior, conhecido onde não exista outro coisa a conhecer.
56. Realiza o Brahman, que é o mais alto e no espaço intermediário é plenitude, como Isso que é Existência-Consciência-Graça absoluta, Não-dualidade pura, Infinito, Eterno e Único.
57. Realiza aquele Brahman que o Vedanta indica, como a Essência imutável que se revela através da negação [das sobreposições], como Unidade não-dual de graça indivisível.
58. Ao depender de uma pequena parte da beatitude Disso, cuja natureza é Graça e Benção absoluta e indivisível, todos os seres, de Brahma aos demais [até o gênero humano e além] gozam da graça em maior ou menor medida [de acordo com a proximidade à Realidade suprema].
59. Cada ente está intimamente unido com Isso, cada manifestação está conectada com Isso; por isso o Brahman envolve a totalidade, assim como, a manteiga envolve o leite.
60. Realiza o Brahman que não é nem sutil, nem burdo, nem limitado, nem estendido, não-nascido e indestrutível, sem formas e sem atributos, carente de qualificações e de denominações.
61. Realiza aquele Brahman cujo resplendor ilumina o sol e as demais estrelas, ainda que, não se ilumina delas; [aquele Brahman] graças a tudo isso [o universo] se manifesta.
62. Compreendendo em Sí mesmo cada coisa interna e externa, o Brahman outorga esplendor, manifestando-se assim em todo o universo fenomênico, da mesma maneira que, com seu calor, o fogo torna encandecente uma esfera metálica.
63. Em realidade, o Brahman é diferente ao universo [de todas as formas sensível-inteligível] já que nada existe além de Brahman. Ali onde parece manifestar algo mais que Brahman, é tudo irreal, como a aparição de uma miragem no deserto.
64. Tudo o que se vê ou se ouve, não é nada mais do que Brahman. Mas [somente] graças ao Conhecimento efetivo da Realidade suprema se [compreende e se adverte] que tudo é o Brahman não-dual, Existência´Consciência-Graça absolutas.
65. [Somente] através do olho do conhecimento se pode contemplar o Si mesmo, Existência e Conhecimento que tudo envolve; mas se a vista interna está nublada pela ignorância, Ele nunca poderá ser conhecido, da mesma maneira que um cego não pode ver o sol deslumbrante.
66. A alma individual consumida pelo fogo do Conhecimento provocado pela audição [a reflexão e a meditação], ao livrar-se de todas as impurezas, resplandece por si só, como ouro que brilha.
67. Em realidade o Si mesmo, sol do Conhecimento, fixado no espaço do coração, é Aquele que dissolve a obscuridade; sendo o substrato que tudo envolve. Ele resplandece infinitamente e faz com que tudo resplandeça.
68. Aquele que renuncia a todas as atividades e que, livre das limitações do espaço, lugar, tempo, etc., rende homenagens ao tabernáculo do próprio Si mesmo incontaminado e que tudo envolve, está livre do frio [e do calor e de todas as demais dualidades] e é eterna Graça, Este se torna Onisciente, tudo envolve e consegue a imortalidade.

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