sexta-feira, 20 de abril de 2007

Vakyavritti

Esposição sobre a Essência - "Tu és isso"

Louvado seja Shri Ganesha.

1. Me inclino diante dessa unidade absoluta de puro Conhecimento que é Shri Vallabha, dotado de poder indiscutível, é causa da manifestação, da conservação e da dissolução [de todas as coisas]. É o Senhor do universo que objetiva uma variedade indefinida de formas, que a tudo conhece e sempre está absolutamente livre de toda a limitação; é um imenso oceano de Beatitude infinita.
2. Rendo eterna homenagem aos pés do lótus Daquele que, por meio de sua graça posso realizar a natureza do Si mesmo, posso reconhecer que eu mesmo sou o que tudo abarca e compreender que todo o universo fenomênico está projetado por mim.
3. Queimado pelo fogo do triplo sofrimento e desgastado pelo profundo padecimento interior, um [discípulo] já dotado de calma mental e das outras virtudes que são requisitos necessários [para a liberação], pergunto a um verdadeiro mestre:
4. Oh! Senhor, por meio de Vossa Benevolência, revela-me concisamente aquilo que eu possa liberar-me imediatamente da escravidão da existência!
O mestre respondeu:
5. O pedido que acabas de fazer é muito elevado. Escuta-me com muita atenção, já que me proponho a expor-te tudo isso de maneira muito clara.
6. O conhecimento que emana de sentenças como: "Tu és isso" e outras, que concerne a identidade do Si mesmo jivaico com o Si mesmo supremo, constitui o [único] meio de liberação.
O discípulo disse:
7. Qual é o Jiva [Alma] e qual é o Si mesmo supremo? Como pode existir identidade entre eles? De que maneira uma sentença como: "Tu és isso" pode demonstrar essa identidade?
O mestre respondeu:
8. Te darei a solução da seguinte maneira: Quem é o Jiva? Somente é você mesmo. E você me pergunta "Quem sou", em verdade é sem dúvida alguma o Brahman mesmo.
O discípulo disse:
9. Senhor, até agora eu não conheço claramente o significado de [cada uma] das palavras: Como posso compreender então o significado da sentença "Eu sou Brahman" ? Por favor, explica-me.
O mestre respondeu:
10. Tens razão. Em conseqüência não deve surgir nenhuma dúvida sobre esta questão. A interpretação exata de cada termo é essencial para compreender a sentença.
11. Porquê não reconheces o Si mesmo, que é puro Ser e possui a natureza da Beatitude, como a unidade da Consciência que é testemunha da mente e de suas modificações?
12. Depois de separar a falsa noção de que o [Si mesmo] se identifica com o corpo, etc., procure se dar conta através do conhecimento, que sempre és o Si mesmo, a unidade de Consciência-Conhecimento que possui a natureza da Existência e da Beatitude absoluta e é testemunho do intelecto.
13. Assim pois, o corpo burdo não pode ser o Si mesmo, já que está dotado de forma, etc., como são o vaso de outros objetos [produtos], e também porque consiste em uma transformação do éter e dos demais elementos burdos como é o vaso [ com respeito a argila].
O discípulo disse:
14. Se este corpo burdo fosse reconhecido como completamente diferente do Si mesmo, então, de acordo com o que dissestes, mostra-me, por favor, o Si mesmo diretamente como um fruto do miróbalo na mão.
O mestre respondeu:
15. Tens que considerar atentamente isso: da mesma maneira que o que vê um vaso é diferente do mesmo vaso e de nenhuma maneira se identifica com ele, assim, eu que vejo o corpo burdo, não sou este corpo.
16. Da mesma maneira reconheça que chegamos a seguinte conclusão: eu, que sou testemunha dos órgãos sensoriais [etc.], não sou esses mesmos órgãos. Medita pois, assim: eu não sou a mente, nem o intelecto, nem tampouco a força vital...
17. ... nem tampouco sua combinação. Discrimine claramente e com inteligência que o Testemunhador é diferente de tudo o que é objeto da percepção.
18. Medite assim: Eu sou Isso e cuja a presença diante de todos aqueles entes [inertes] como o corpo, os sentidos, etc., se tornam capazes de produzir atividades de maneira dependente.
19. Medite assim: Eu sou Aquele que por natureza carente de toda a mudança e sendo o interior [de tudo], impulsiono o intelecto e as demais funções ao movimento, como um ima e as peças de ferro.
20. Medite assim: Eu sou Aquele que graças a vencidade do corpo, os sentidos e as forças vitais, ainda que inertes por si mesmas, parecem dotadas de consciência como o Si mesmo.
21. Medite assim: Eu sou Aquele que é Testemunho da função do intelecto [e pode expressar-se] como: "agora minha função mental está ausente, agora está presente".
22. Medite assim: Eu sou Aquele que, livre de toda a atividade transformante e imediatamente presente, é Testemunho do estado de vigília, do sonho e do sono profundo e, ao mesmo tempo, da presença ou ausência do intelecto.
23. Assim como a lâmpada que ilumina um lustre é diferente do mesmo lustre, da mesma maneira, "Eu sou aquela unidade absoluta de Consciência que, como Si mesmo encarnado, ilumina o corpo [etc.]".
24. Medite assim: Eu sou o Testemunho querido por todos graças a quem ama a todas as coisas que existem , como progenes, riquezas, etc.
25. Eu sou o Testemunho, o objeto do amor supremo para quem [se diz] "nunca cessei de viver e para quem eu sempre possa existir".
26. Se diz que o significado da expressão Tu [na sentença "Tu és Isso"] consiste no mesmo Conhecimento-Consciência que representa o Testemunho. A função de conhecedor, pois, não é mais do que a função de testemunho por parte do Si mesmo eterno e imutável.
27. Assim, o que indica a expressão "Tu" é absolutamente diferente do corpo, dos sentidos, da mente, da força vital e inclusive do sentido do eu, e não está condicionado por aquelas seis trasnformações típicas que caracterizam os objetos inertes.
28. Depois de ter entendido perfeitamente o verdadeiro significado da expressão "Tu", deverias meditar incessantemente sobre o significado essencial da expressão "Isso", ou seja, através da negação das sobreposições, ou ainda, através de sua afirmação direta.
29. Aquele que transcende totalmente qualquer condição limitante do devir e que se possa definir no burdo ou denso, etc., Aquele que por natureza não pode tornar-se objeto da percepção-conhecimento e que transcende inclusive aquela impureza-sobre-imposição que é a ignorância.
30. Aquele muito além, que não existe ulterior Beatitude, que é a unicidade absoluta de Existência e Conhecimento, definido como o Ser auto-existente e é plenitude, Isso é conhecido como Si mesmo supremo.
31. Pois bem, reconhece o Brahman como Isso cuja onisciência, cuja suprema senhoria, perfeição-cumprimento e poder ilimitado, se celebra nos Vedas.
32. Reconhece o Brahman - como se declara nas escrituras por múltiplos exemplos da argila, etc., - como Isso em virtude de cujo conhecimento-realização se tem consciência de todas as coisas.
33. Reconhece o Brahman como Isso, que a Shruti quer mostrar a infinidade, definindo o universo como Sua modificação aparente.
34. Conhece o Brahman como Isso que nas escrituras dos Upanishads se define com extremo cuidado como objeto da busca por aqueles que aspiram a liberação.
35. Conhece o Brahman como Isso, que se fala nos Vedas na virtude de sua compenetração nos jivatmas e pela função de sustentação [ainda como não-agente] exerce à eles.
36. Conhece o Brahman como Isso que na Shruti se diz que alonga os frutos das ações e impulsiona os jivas ao seu cumprimento.
37. Depois de especificar o significado real das expressões "Tu e Isso", passamos a examinar agora, o significado de toda a sentença. Neste contexto, se expressa uma identidade real entre os significados de ambas expressões.
38. Não se deve interpretar , pois, a sentença, nem o sentido de uma conexção recíproca, nem como uma qualificação mútua [das expressões]. De acordo com os Sábios, o significado da sentença consiste em uma identidade absoluta.
39. Aquele que se manifesta como íntima consciência-conhecimento [jiva], não é outra coisa senão. Beatitude não-dual; e aquela essência que consiste na Beatitude sem dualidade não é outra coisa senão, a mesma íntima Consciência-Conhecimento.
40. Assim, quando se realiza conscientemente sua recíproca identidade, então, a [presunçosa e sobreposta] diversidade do Brahman, naquilo que indica a expressão "Tu", desaparece imediatamente...
41. ... e o mesmo ocorre para o conhecimento daquilo que indica a expressão "Isso"; O que acontece quando isto sucede? Escuta: [quando se compreende essa identidade] a consciência-conhecimento íntima [que é o jiva] se dissolve na própria essência que é Unidade absoluta e plena de Beatitude.
42. Deve-se compreender a sentença "Tu és Isso" e as outras [maha-vakyas] com o fim de estabelecer a identidade do que está estabelecido indiretamente através das duas palavras: "Tu e Isso".
43. Desta maneira, explicamos como a mesma sentença, ao abandonar o sentido direto das expressões, revela seu significado verdadeiro [de unidade-identidade].
44. O conhecimento associado com o órgão interno, que constitui o conteúdo essencial da palavra e da noção "eu", expressa o significado direto da expressão "Tu"...
45. ... contraditoriamente, o significado direto da expressão "Isso" representa Aquele cuja maya está sobreposta, do Qual é o fundamento da causa do mundo; "Isso" está definido como onisciente, etc., e ao ter a natureza do verdadeiro Ser, etc., somente pode ser assinalado indiretamente.
46. Agora, dado que por parte de um mesmo e único ente, as propriedades de ser conhecido direta e indiretamente e as propriedades de possuir um segundo e de ser ao mesmo tempo, unidade absoluta, estão em contradição evidente, [na sentença "Tu és Isso"] se deve chegar a uma interpretação por implicação.
47. No caso de, admitindo em uma expressão, o significado diretamente expressado, sugere-se uma incongruência com outra modalidade de conhecimento, então, aquele significado claramente inteligível por Si mesmo, mas conectado com o que está expressado diretamente, se chama significado implícito.
48. Em sentenças como: "Tu és Isso" ou em outras, a interpretação indireta consiste em uma implicação parcial [que somente desfaz a parte contraditória dos sentidos diretos, deixando a parte auto-evidente], como nos caso das expressões ou em uma frase como: "isto é isso" - e outras - não existe outro tipo de implicação [parcial].
49. Deveria-se exercitar mais a escuta [além da reflexão e a meditação das Escrituras] conjuntamente com o controle da mente e outras disciplinas interiores, até que a compreensão do verdadeiro significado da sentença "Eu sou Brahman" seja plenamente efetiva.
50. Quando pela graça do Mestre e das Escrituras, este Conhecimento-Consciência se assente, então, o ser haverá extinguido para sempre toda a causa da existência transmigratória.
51. Este, com a dissolução do corpo burdo (denso) e do corpo sutil, ao ser independente dos elementos sutis e livre do aprisionamento da ação [finalizada], se libera imediatamente.
52. Assim, com a extinção da escravidão determinada pelas ações trasncorridas, que todavia não deram resultado, quando em qualquer momento suceda, ainda assistindo com desapego as conseqüências das ações passadas, é então quando acontece a liberação na vida.
53. Ele realiza o supremo Absoluto, que é a suprema Beatitude, como dizer que conseguiu a Morada suprema do que tudo abarca e de onde não existe regresso.
Aqui termina a Exposição da sentença composta por Shri Shamkaracharya, grande Mestre e Paramhamsa itinerante.

quinta-feira, 19 de abril de 2007

Atmabodha

O Conhecimento de Si Mesmo

Para Shri AdiShankaraAcharya ser um Adikari, quatro são as qualificações requeridas: viveka (discernimento) entre o real e o não-real, vairagya (desapego) do não-real reconhecendo-o como tal, shad-sampat (as seis virtudes mentais) e mumukshutva (aspiração ou amor pela liberação).
1. Este Atmabodha (conhecimento-realização de Si mesmo) foi composto para o benefício daqueles que, aspirando pela Liberação, foram purificados totalmente do erro através da austeridade constante e estão mentalmente pacificados e livres do desejo.
2. Assim como o fogo é fundamental para cozinhar, assim também entre todas as formas de disciplinas, o conhecimento é o meio único e direto para a Liberação (mukti): sem o Conhecimento não existe Liberação.
3. A ação não pode destruir a ignorância, já que não se opõe a ela: só o Conhecimento pode destruir a ignorância como a luz dissipa a escuridão.
4. É justamente a causa da ignorância que o [Si mesmo] parece como se estivesse na escravidão; mas no momento em que esta [ignorância] se dissolve, o Sí mesmo resplandecerá revelando-se absoluto e livre, como o sol quando se libera das nuvens.
5. Através da constante prática do conhecimento, depois de purificar perfeitamente o Si mesmo individual [antes] obscurecido pela ignorância, o pensamento se dissolve, como o polvo de kataka quando foi purificado pela água.
6. O mundo do advir, caracterizado pelo apego, a aversão, etc..., é em efeito, similar ao sonho: parece real mesmo que persista, mas se revela irreal ao acordar.
7. Assim como a madre-pérola [parece] prata, assim o mundo parece real, enquanto o Brahman não-dual, substrato de cada coisa não é conhecido.
8. Do substrato universal cujo o supremo Senhor é a primeira causa, os mundos surgem, existem e se dissolvem como as borbulhas na água.
9. É noVishnu eterno, que tudo abrange, Existência-Consciência-Si mesmo, que todas as diferentes manifestações particulares estão representadas [por aquele que percebe], como as pulseiras e outros objetos estão no ouro.
10. Parecido ao éter, o Senhor que tudo abrange, quando se associa com as diferentes sobreposições limitantes, a causa de sua diferenciação parece múltipla, mas quando estas se dissolvem, se revela como a unidade absoluta.
11. É exatamente a causa destas múltiplas limitações onde [idéias como as de] regras sociais, descendência, estilos de vida, etc., se sobrepõem ao Si mesmo, assim como, os diferentes gostos, cores, etc., [é percebido] na água.
12. Consistente nos cinco elementos burdos quintuplicados (Pancikarana) e determinados pelas [próprias] ações passadas, o corpo físico-burdo [plano da vigília] é considerado como o lugar da experiência do prazer e da dor.
13. Constituído pelos cinco pranas, a mente empírica e o intelecto, além dos dez órgãos [da percepção e da ação] e originados pelos cinco elementos não quintuplicados [sutis], o corpo sutil é o instrumento da experiência [plano do sonho].
14. A ignorância, sem começo e indefinível, é considerada como o corpo-limitação causal. Deve-se reconhecer o si mesmo como algo diferente destes três estados condicionantes.
15. Em sua identificação com as cinco envolturas, etc., o Si mesmo puro parece ser da mesma natureza, assim como, um cristal ao apoiar-se sobre um tecido azul, parece da mesma cor.
16. Assim como o grãozinho de arroz que está, a princípio, envolto na casca e depois se separa completamente, da mesma maneira torna-se necessário discriminar, por meio do discernimento inteligente, o puro e íntimo Si mesmo das envolturas com as quais se identifica.
17. Ainda que o Si mesmo sempre tudo abarque, não se revela em todas as partes. Ele se manifesta somente no intelecto puro, como uma imagem refletida [só é percebida] em espelhos nítidos.
18. Deve-se conhecer o Si mesmo - sempre diferente do corpo, dos sentidos, da mente, do intelecto e inclusive da prakriti - como testemunha de suas modificações, parecido com um soberano.
19. Assim como a lua parece se mover quando as nuvens cruzam o céu, da mesma maneira, para as pessoas não discriminantes, o Si mesmo parece estar ativo através das funções dos órgãos sensoriais.
20. Assim como os homens podem trabalhar confiando na luz do sol, assim o corpo, os sentidos, a mente e o intelecto dependem, para o desenvolvimento de suas respectivas funções, da consciência inerente ao Si mesmo.
21. Por falta de discriminação, as características e as atividades do corpo e dos sentidos se sobrepõem ao Si mesmo, que é Existência absoluta e Conhecimento, da mesma maneira como a cor azul, etc., se atribui ao céu.
22. As funções, como as atividades e outras, devido as limitações constituidas pela mente, se atribui ao Si mesmo a causa da ignorância, assim como, o movimento da água [se atribui] a lua que nela se reflete.
23. Em realidade, apego, desejo, dor, etc., se manifestam pela presença do intelecto [buddhi]. No sono profundo, quando o intelecto não se manifesta, estes sentimentos nem sequer existem. Por isso, pertencem a buddhi e não ao Si mesmo.
24. Assim como a luminosidade é a natureza do sol, o frio é a da água e o calor do fogo, a natureza do Si mesmo é Existência-Consciência-Beatitude absolutas e pureza eterna.
25. A noção "eu conheço" se produz através da díade - que se deve a ausência de discriminção - de Existência e Conhecimento do Si mesmo juntamente com a modificação do intelecto.
26. Em realidade não existe nenhuma modificação por parte do Si mesmo, nem tampouco o conhecimento deriva do intelecto. O Si mesmo individual, ao perceber cada coisa, a partir de uma falsa perpectiva, cai no erro e se considera como aquele que conhece e percebe [e age].
27. Considerando [erroneamente] o jiva como se fosse o Si mesmo, nos sentimos atemorizados, como diante de uma cobra percebida no lugar de uma corda; se, ao contrário, alguém pensa "eu não sou um ser individualizado, eu sou o Si mesmo supremo", nos liberamos do medo.
28. É o Si mesmo que ilumina o intelecto, etc., e também os sentidos; da mesma maneira que uma lâmpada ilumina uma jarra, etc., o Si mesmo, por assim dizer, não pode estar iluminado por estes objetos inertes.
29. O Si mesmo cuja natureza é Conhecimento, não necessita de outros meios de conhecimento para conhecer a si mesmo, da mesma maneira que uma lâmpada não precisa de outra lâmpada para iluminar-se.
30. Através de um processo de negação [da consciência] que se estende a todos os condicionamentos, por meio do axioma "não é isso, não é isso", deve-se chegar, com a ajuda das grandes sentenças (mahavakyas), a realização da identidade da alma individual com o Si mesmo supremo.
31. Ao ser produto da ignorância, tudo o que se percebe, como o corpo e os demais objetos materiais, é transitório como as bolhas de sabão. Por isso, deve-se realizar conscientemente "eu sou Brahman", puro e diferente de tudo isso.
32. "Já que sou outra coisa, do que simplesmente corpo, não existe para mim, noções como nascimento, velhice, decrepitude, morte, etc., nem mesmo existe contato com os objetos dos sentidos, como os sons e outros, já que não possuo órgãos sensoriais".
33. "Já que sou outra coisa, do que somente a mente, não existe dentro de mim sentimentos como sofrimento, apego, aversão, medo, etc. [O Si mesmo] não possui respiração vital, carece de mente, por isso, é puro, etc.," como declarado nas escrituras.
34. "Eu não tenho atributos, nem movimento; sou eterno, careço de diferenciação, contaminação, imutabilidade, sem forma, sempre livre e puro."
35. " Sempre existente, Eu abarco cada coisa no interior e no exterior como o espaço-éter; sou sempre idêntico em cada coisa e em cada momento; perfeito, absoluto, imaculado, sem variação".
36. "Em realidade, Eu sou o Brahman supremo que é eterno, puro, livre, único, beatitute sem partes, não-dual, inifinita Existência e Conhecimento.
37. Dessa maneira, a meditação sobre "Eu sou o Brahman" praticada ininterruptamente, destrói os movimentos projetados pela mente e gerados pela ignorância, assim como, um medicamento destrói as doenças.
38. Sentado em um lugar solitário, livre de todo o apego e com os sentidos sob controle, [o discípulo] deve meditar sobre aquele Si mesmo, Único e Infinito, sem [deixar espaço a] nenhum outro pensamento.
39. O Sábio, ao submergir todo o universo objetivo sensível em Si mesmo através da discriminação intelectual, deve contemplar o si mesmo único eternamente puro, como o éter.
40. Depois de abandonar cada coisa - como a forma, classe social, etc., o Conhecedor da realidade suprema está [definitivamente] absorvido em sua essência mesma, que é plenitude infinita de Consciência e Beatitude.
41. No si mesmo supremo não pode existir nenhuma distinção entre conhecedor, conhecimento e o objeto conhecido; já que Sua natureza somente é uma unidade de Consciência e Beatitude, Ele resplandece por si só.
42. Assim como o combustível consume totalmente a chama que brota ao frotar a vara, assim a ignorância fica completamente destruida pela constante meditação sobre o Si mesmo.
43. Quando o Conhecimento claro dissipa a obscuridade invasora [da ignorância], então o Si mesmo, da mesma maneira que o sol, aparece espontaneamente.
44. O Si mesmo, ainda que em realidade esteja sempre presente, parece, entretanto, estar ausente a causa da ignorância; quando esta se destrói. Ele se descobre em toda a sua evidência como um adorno pendurado no pescoço.
45. Assim como uma árvore pode parecer um homem, devido ao mesmo tipo de erro, o Brahman é concebido como uma alma individual; mas esta [ilusão] desaparece quando se reconhece a natureza real de jiva [como atman].
46. O conhecimento que deriva da experiência direta e consciente da natureza da Realidade última, destrói imediatamente a ignorância caracterizada pelas noções de "eu" e "meu", assim como, pela cognição errônea de toda a orientação.
47. O yoguin que conseguiu o perfeito Conhecimento vê com o olho do Conhecimento o universo inteiro contido em Si mesmo e considera cada coisa como o único Si mesmo.
48. Todo esse universo é realmente o Si mesmo, não existe outra coisa fora do Si mesmo. Assim como, qualquer jarra não é mais do que argila, assim [o Conhecedor] considera cada coisa como a si mesmo.
49. O Conhecedor que abandonou todos as condições limitantes anteriores e seus atributos, desvendando deste modo, a própria natureza da Existência- Consciência-Beatitude absolutas, se converte em um Liberado na vida, da mesma maneira que uma larva se transforma em borboleta.
50. Depois de atravessar o oceano da ilusão e de ter derrotado os demônios do prazer e do sofrimento, etc., o yoguin, em perfeita unidade com a Paz, resplandece na Graça (beatitude) de Si mesmo.
51. Renunciando com indiferença ao apego a todos os prazeres externos e transitórios, totalmente satisfeito pela Graça que procede de Sí mesmo, Ele resplandece interiormente como uma lâmpada dentro de um lustre.
52. Ainda que viva submergido nas condições limitantes, o Muni, parecido ao éter, não está danificado por seus atributos; Ele, que conhece realmente cada coisa, vive [aparentemente] como uma pessoa carente de intelecto e parecida ao vento; se move perfeitamente desapegado.
53. Dissolvendo as envolturas condicionantes, o Muni se submerge na Realidade que tudo abarca, carente de toda diferenciação, como a água na água, o espaço no espaço ou a luz na luz.
54. Realiza o Brahman como aquela conquista muito além, do qual, não existe mais nada a conseguir, muito além, cuja Graça não existe ulterior felicidade, muito além, cujo conhecimento não existe conhecimento superior.
55. Realiza o Brahman como Isso, do qual não exista nada mas para ver, realizado onde não exista outra realização maior, conhecido onde não exista outro coisa a conhecer.
56. Realiza o Brahman, que é o mais alto e no espaço intermediário é plenitude, como Isso que é Existência-Consciência-Graça absoluta, Não-dualidade pura, Infinito, Eterno e Único.
57. Realiza aquele Brahman que o Vedanta indica, como a Essência imutável que se revela através da negação [das sobreposições], como Unidade não-dual de graça indivisível.
58. Ao depender de uma pequena parte da beatitude Disso, cuja natureza é Graça e Benção absoluta e indivisível, todos os seres, de Brahma aos demais [até o gênero humano e além] gozam da graça em maior ou menor medida [de acordo com a proximidade à Realidade suprema].
59. Cada ente está intimamente unido com Isso, cada manifestação está conectada com Isso; por isso o Brahman envolve a totalidade, assim como, a manteiga envolve o leite.
60. Realiza o Brahman que não é nem sutil, nem burdo, nem limitado, nem estendido, não-nascido e indestrutível, sem formas e sem atributos, carente de qualificações e de denominações.
61. Realiza aquele Brahman cujo resplendor ilumina o sol e as demais estrelas, ainda que, não se ilumina delas; [aquele Brahman] graças a tudo isso [o universo] se manifesta.
62. Compreendendo em Sí mesmo cada coisa interna e externa, o Brahman outorga esplendor, manifestando-se assim em todo o universo fenomênico, da mesma maneira que, com seu calor, o fogo torna encandecente uma esfera metálica.
63. Em realidade, o Brahman é diferente ao universo [de todas as formas sensível-inteligível] já que nada existe além de Brahman. Ali onde parece manifestar algo mais que Brahman, é tudo irreal, como a aparição de uma miragem no deserto.
64. Tudo o que se vê ou se ouve, não é nada mais do que Brahman. Mas [somente] graças ao Conhecimento efetivo da Realidade suprema se [compreende e se adverte] que tudo é o Brahman não-dual, Existência´Consciência-Graça absolutas.
65. [Somente] através do olho do conhecimento se pode contemplar o Si mesmo, Existência e Conhecimento que tudo envolve; mas se a vista interna está nublada pela ignorância, Ele nunca poderá ser conhecido, da mesma maneira que um cego não pode ver o sol deslumbrante.
66. A alma individual consumida pelo fogo do Conhecimento provocado pela audição [a reflexão e a meditação], ao livrar-se de todas as impurezas, resplandece por si só, como ouro que brilha.
67. Em realidade o Si mesmo, sol do Conhecimento, fixado no espaço do coração, é Aquele que dissolve a obscuridade; sendo o substrato que tudo envolve. Ele resplandece infinitamente e faz com que tudo resplandeça.
68. Aquele que renuncia a todas as atividades e que, livre das limitações do espaço, lugar, tempo, etc., rende homenagens ao tabernáculo do próprio Si mesmo incontaminado e que tudo envolve, está livre do frio [e do calor e de todas as demais dualidades] e é eterna Graça, Este se torna Onisciente, tudo envolve e consegue a imortalidade.

terça-feira, 17 de abril de 2007

Dakshinamurtistrota

Hino a Dakshinamurti
(A Forma dirigida ao Sul)

Representa a imagem benéfica de Shiva em sua função como Guru, que outorga a iniciação (diksha) e a instrução (upadesa), através do Silêncio (mauna).

1. Me inclino diante de Shri Dakshinamurti, a quem reconheço como a encarnação de meu Guru, que por misericórdia, o universo se vê no interior [da mente] como a imagem de uma cidade refletida em um espelho, mesmo que, como no sonho e por obra de Maya, apareça no exterior. Iluminado por sua graça, o universo é percebido como o Si mesmo sempre existente e não-dual.
2. Me inclino diante Dakshinamurti, a quem reconheço como a encarnação de meu Guru, que com a simples força de sua vontade, projeta como um mago ou yoguin, este universo não qualificado na origem, como o broto de uma semente, mas depois [a manifestação] graças ao poder de maya aparece como multiplicidade [qualificada].
3. Me inclino diante de Dakshinakurti, a quem reconheço como a encarnação de meu Guru, cuja a expressão (sob forma da manifestação) ainda sendo um fenômeno aparente, se percebe como real. Ele - com a grande afirmação védica: Tat tvam asi (Tú és isso) - ilumina aos discípulos sobre a Realidade de Brahma e, ao realizar-Lo, põe fim ao ciclo de nascimentos ou do samsara.
4. Me inclino diante de Dakshinamurti, a quem reconheço como a encarnação de meu Guru, cujo o conhecimento (filtrado por meio dos sentidos, como o olho, etc...similar a luz que emana dos múltiplos furos de uma jarra) se revela sob a forma de experiência: "eu conheço", e cuja luz faz resplandecer a todos os seres do universo.
5. Me inclino diante de Dakshinamurti, a quem reconheço como a encarnação de meu Guru, que destrói o erro e a ilusão provocados por maya, mesmo que haja pseudo-filósofos desprevenidos, infantis e cegos que consideram o atman como o corpo, o prana, a cognição, os sentidos da percepção e os órgãos da ação, que, ao contrário, são fugazes e não reais.
6. Me inclino diante de Dakshinamurti, a quem reconheço como a encarnação de meu Guru, que no sono profundo existe como puro Ser - mesmo que escondido por maya, assim como o sol e a lua existem igualmente quando estão escondido por Rahu - e que ao despertar lembra o bem que estava dormindo.
7. Me inclino diante de Dakshinamurti, a quem reconheço como a encarnação de meu Guru, que revela a seu discípulo o atman, que através das mutações da vigília, do sonho e sono profundo, ao longo da infância, juventude, amadurecimento e velhice, resplandece sempre, revelando-se - por meio do propício jnanamudra - como o si mesmo eterno.
8. Me inclino diante de Dakshinamurti, a quem reconheço como a encarnação de meu Guru, que associado a natureza de maya, nos estados de vigília, sonho e sono profundo, percebe o mundo múltiplo como termos de relação causa e efeito, possuidor e possuído, mestre e discípulo, pai e filho.
9. Me inclino diante de Dakshinamurti, a quem reconheço como a encarnação de meu Guru, além do qual - para aqueles que possuem discernimento - nenhum ente superior existe: aquele que inclui o móvel e o imóvel, que se manifestou sob a óctupla forma, como a terra, a água, o fogo, o ar e o éter; como o sol, a lua e como o jivatman.
10. Este hino a Shri Dakshinamurti revela claramente a natureza oni-envolvente do atman que tudo abarca. Por isso, escutando-o, contemplando-o e recitando-o se alcança a plenitude do atman, com seu resplendor divino, a senhora do universo e a essência da óctupla manifestação [dos poderes].

Sivapanchaksharam

A Quíntupla Realização de Shiva
(Chidananda Rupa, Shivo ham, Shivo ham)


1. Eu não sou o corpo, nem os sentidos [nem] a mente [empírica], não sou o sentido do Eu, nem o conjunto das energias vitais, nem mesmo o intelecto. Estou muito longe de identificar-me com as mulheres; descendência, possessões e riquezas de distinta índole. Eu sou o si mesmo íntimo, o testemunho eterno: "Eu sou Shiva".
2. Assim como uma corda pode parecer uma cobra por ignorância de [sua natureza de] corda, da mesma maneira, o atman aparece como jiva, devido a ignorância sobre a natureza própria de atman. Entretanto, quando se corrige o erro ao afirmar [a natureza da ilusão da cobra], então se reconhece que se trata de uma corda. Assim, quando se diz que Eu não possuo corpo, [compreendo que] não sou um jiva, mas [o Si mesmo]: "Eu sou Shiva".
3. Em verdade, todo esse [universo], que não é a verdade absoluta, aparece em Sí mesmo - cuja natureza é realidade, conhecimento e beatitude - , por meio da ilusão. Entretanto, é tão real como a imagem de um sonho nascido de uma ilusão produzida pelo sonho. [Por outro lado], puro, pleno, eterno e único: "Eu sou Shiva".
4. Eu não tenho nascimento, nem crescimento, muito menos morte. Tudo aquilo que é qualidade pertencente a prakriti e, portanto, se diz que [somente] pode atingir ao corpo. Da mesma maneira, também a função de veículo, que se refere somente ao sentido de Eu e não Me pertence em absoluto, enquanto seja o Si mesmo que é pura Consciência: "Eu sou Shiva".
5. Portanto, não existe nenhum outro universo que seja independente de Mim; a objetividade [aparece como] externa [e essa] parece real, mas somente é uma projeção de maya que, tal como a imagem que se vê no espelho, se manifesta dentro de Mim, que sou pura Não-dualidade: "Eu sou Shiva".