terça-feira, 27 de setembro de 2011

LAGHU VÂKYA VRITTI


BREVE EXPOSIÇÃO SOBRE AS SENTENÇAS VÉDICAS - Adi Shankaracharya


O CAMINHO DA MEDITAÇÃO 


INTRODUÇÃO 


O estudioso do Vedanta deve distinguir entre a Consciência Refletida (Bodha-Bhasa) e a Consciência Pura (Shuddha-Bhasa). Bhoda-Bhasa é a consciência empírica empregada cotidianamente em cada momento da vida, como: pensar, conhecer, determinar, sentir, etc. Shuddha-Bhasa, por outro lado, é o fundamento imutável e infinito de todos os fenômenos, inclusive dos movimentos de nosso corpo e mente. É o testemunho (Sâkshin), sem princípio nem fim,  de tudo o que foi, é e será. Em si, Shuddha-Bhasa é Nirvikalpa ou além do alcance das idéias. Shuddha-Bhasa é a que outorga a luz a Consciência refletida (Bhoda-Bhasa). 

De acordo com este texto, Laghu Vâkya Vritti, o Jiva, ser empírico, é um reflexo da Consciência Pura sobre Buddhi. Esta idéia (Pratimba-Vada) baseada em algumas sentenças dos Upanishads. Shankaracharya, em outros textos, fala sobre Jiva, como uma aparente "limitação" da Consciência. Esta "limitação" é produzida por Buddhi (Avaccheda-Vada), do mesmo modo que o espaço infinito (Âkâsha) é aparentemente limitado por uma jarra ou uma casa. A teoria da limitação do Jiva também pode ser sustentada baseada em diferentes passagens dos Upanishads. Nos textos vedânticos posteriores a Shankaracharya, aparecerem controvérsias complicadas com respeito a estas duas teorias. O estudante imparcial do Vedanta não vê estas duas teorias como necessariamente antagônicas, mas como dois pontos de vista diferentes sobre o mesmo assunto. Cada ponto de vista possui mérito e servem de ajuda ao buscador da Verdade. Jiva é uma verdade empírica e, como tal, permite sustentar diferentes pontos de vista. A Verdade Absoluta, nosso Ser Verdadeiro, está seguramente livre de qualquer controvérsia escolástica. 


O TEXTO (não comentado) 

1. O corpo físico (Sthula Sharira) é o veículo denso de Âtman. Os desejos, junto com os órgãos da percepção (Jñâna-Indriyas) e de ação (Karma-Indriyas), as forças vitais (Prânas), o intelecto (Budhi) e a mente (Manas), constituem o veículo sutil (Linga Sharira)

2. A ignorância (Avidyâ) produz o veículo causal (Karana Sharira). A consciência Pura (Shuddha-Bhoda)  está por trás dos três veículos como testemunha (Sâkshin) e iluminador. O reflexo da Consciência Pura sobre o intelecto (Budhi, que adquiriu o sentido da individualidade devido a ignorância), foi convertido em Jîva, ou alma individual, que é o agente de todo o bem e o mal. 

3. Este Jîva (isto é, o Jîvâtma ou Consciência refletida ligada ao veículo sutil) é aquele que está constantemente migrando nos mundos (o presente e o que está além), pela força impelida por suas próprias ações (Samskaras), positivas e negativas. Portanto, o obstáculo supremo da vida consiste em discriminar a Consciência Pura de seu reflexo, ou seja, o Jîva. 

4. As atividades mentais da Consciência refletida (Jîva) estão limitadas aos estados de vigília (Jagrat Avastha), sono com sonhos (Svapna Avastha), enquanto que o sonho profundo (Sushupti Avastha), a Consciência refletida e aquele que reflete e o intelecto (Budhi), são absorvidos na ignorância e, portanto, a Consciência Pura ilumina somente a Ignorância.

5. Mesmo que em vigília (acordado), a quietude da mente é iluminada pela Consciência Pura. Da mesma forma, as atividades da mente com a Consciência refletida, devem sua manifestação à Consciência Pura. 

6. Assim como a água fervida ao fogo adquire calor e desse modo pode vir a queimar o corpo; da mesma forma, a mente (intelectual) iluminada pela Consciência Pura adquire seu brilho e ilumina igualmente todos os outros objetos externos. 

7. As noções de bem e mal, com respeito aos objetos da sensação, são criações da mente (intelecto). A única coisa que a Consciência Pura faz, é iluminar essas atividades da mente junto aos objetos externos. 

8. A Consciência Pura e Absoluta (Shuddha Bodha) é diferente dos objetos da sensação e também das noções de bem e mal atribuídas pela mente. Entretanto, Shuddha Bodha é aquele que dá cognição a todos eles (objetos e sensações) e, como tal, é a única iluminadora. 

9. As flutuações da mente mudam de um momento para outro, mas isso nunca acontece com a Consciência Pura. Ela penetra todas essas flutuações como o fio de um colar de pérolas. 

10. Assim como o fio coberto por pérolas é percebido pelo espaço entre elas, assim também a Consciência Pura, mesmo que oculta pelas flutuações da mente, brilha claramente entre o espaço de duas flutuações quaisquer. 

11. A Consciência Pura e Não-Modificada brilha claramente por Si mesma no intervalo da mente, quando a anterior flutuação já cessou e a próxima não apareceu ainda. 

12. As pessoas que desejam experimentar Brahman deverão, portanto, praticar lenta e gradualmente a restrição das flutuações, começando a princípio com um minuto e em seguida aumentando para dois, três, etc... 

13. Este ser individual (Jîva), que é afetado pelas flutuações da mente, com o tempo se tornará Uno com Brahman Não-diferenciado ao realizar a Verdade do ensinamento Védico: "Eu sou Brahman". Esta é a ideia que este tratado ensina. 

14. Embora a Consciência refletida (Jîva) esteja envolvida nas flutuações da mente, é verdadeiramente una com Brahman Não-diferenciado. As flutuações aparentes, que sempre são evidentes (por estarem associadas com a Consciência refletida), deveriam ser suprimidas com toda a força para que a Realização de Brahman possa acontecer. 

15. Se o indivíduo for capaz de suprimir definitivamente todas as flutuações, então será abençoado com a concentração perfeita (Samâdhi), apreciada amorosamente por todos os sábios. Entretanto, se isso não for possível, o indivíduo deve realizar sua própria natureza brahmanica, controlando as flutuações (alterações) em todos os momentos. 

16. Tendo compreendido verdadeiramente  o ensinamento "Eu sou Brahman", um indivíduo cheio de fé deve meditar constantemente até onde seja possível para identificar-se com Brahman, por meio das faculdades do intelecto em acordo com essa ideia. 

17. Meditando sobre Aquilo, falando sobre Aquilo, instruindo-se sobre Aquilo e, de uma forma ou outra, absorvendo-se Naquilo: tudo isso foi conhecido e ensinado pelos sábios como a prática de Brahman. 

18. O cumprimento dessa prática repousa na firme convicção da própria identidade com Brahman, sendo semelhante a identidade que o Ser (Âtman) tem com seu corpo. Aquele que tenha realizado isso estará liberado sem dúvida nenhuma; seu corpo pode morrer quando e onde   quiser. 

Aqui termina o comentário (Pushpañajli) sobre o Vêdanta Prakarana intitulado Laghu Vâkya Vritti.